Não há como negar que as estradas de ferro protagonizam um dos capítulos mais marcantes da história da Cidade Sem Limites. Bauru era um ponto de entroncamento de três importantes ferrovias que compartilhavam o espaço da Estação Central: a pioneira foi a Estrada de Ferro Sorocabana (EFS), que chegou neste território em 1905, ligando o município a São Paulo; em 1906 foi a vez do primeiro trecho da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB) ser inaugurado, o qual começava em Bauru e ia até Corumbá, na divisa com a Bolívia; já a Companhia Paulista (CP) deu início a suas atividades em 1910.

Dessa forma, muitos registros foram preservados a fim de manter viva a memória dos trabalhadores que exerceram um papel fundamental para o desenvolvimento da cidade e gozaram de grande prestígio profissional. No entanto, um questionamento se impõe quando olhamos para esses dados históricos: e as trabalhadoras? Quem são as ferroviárias?

No acervo fotográfico do Museu Ferroviário Regional de Bauru, as mulheres ligadas à ferrovia não aparecem. E as poucas figuras femininas presentes nos documentos são as índias Kaingangs e aquelas que exerciam atividades agrícolas.

A pioneira e uma nova era

Uma pesquisa mais aprofundada que vai além desse apagamento nos indica que a primeira mulher contratada pela Noroeste foi Flordaliza Meira Monte, uma jovem de 16 anos admitida para uma vaga temporária para trabalhar com telégrafo, mesma função exercida pelo seu pai no local. Posteriormente, tornou-se escriturária e permaneceu ligada à empresa até 1942. 

Ferroviárias: quem são as mulheres que trabalharam nas estradas de ferro em Bauru
Funcionárias da contadoria da Noroeste do Brasil, em 1944. (Foto: Livro “Mulheres, trens e trilhos”, de Lidia Maria Vianna Possas)

O artigo publicado pela edição 72 da Revista Fapesp, de 2002, analisa que o recrutamento de Flordaliza inaugurou uma nova fase na estrada de ferro: a era das ferroviárias de Bauru, moças sérias, solteiras, geralmente vindas de várias regiões paulistas ou de outros Estados, exibindo de 15 a 30 anos de idade.

De acordo com a análise do estudo, as ferroviárias eram mulheres públicas no sentido de que haviam optado por trabalhar fora de casa, no espaço coletivo da sociedade, em vez de ficarem restritas aos tradicionais papéis de mães e donas de casa, exercidos tipicamente no ambiente privado, no seio do lar.

Em 2021, o próprio Museu Ferroviário, em homenagem ao Dia Internacional das Mulheres, preparou uma série de depoimentos de trabalhadoras ligadas à história da ferrovia para integrar seu acervo oral. Em um dos vídeos, Tatiana Calmon narra sua experiência e lembra:

“As mulheres trabalharam muito no setor administrativo e sofreram todo o tipo de preconceito. Mulher que trabalhava fora já não era uma coisa bem vista, e, na ferrovia, menos ainda. Era um setor predominantemente masculino e machista. Além da administração, tinha mulheres que trabalhavam nas rouparias, que era o serviço mais pesado, e as que atuavam nos postos de alimentação ao longo da linha. Conheci muitas mulheres de luta! Muitas mulheres que dedicaram suas vidas à construção desses trilhos. Ser ferroviária é uma honra muito grande, e a história de lutas desse país está intrinsecamente ligada às ferrovias”.

Também participaram dos vídeos: Edilúsia de Araújo Pereira, Maria Erci Fernandes Silva Pitta, Maria Inês Posso e Telma Christina Souza Lima.

Ferroviárias: quem são as mulheres que trabalharam nas estradas de ferro em Bauru
Tatiana Calmon (Foto: Reprodução)

“Era um setor predominantemente masculino e machista. Além da administração, tinha mulheres que trabalhavam nas rouparias, que era o serviço mais pesado, e as que atuavam nos postos de alimentação ao longo da linha. Conheci muitas mulheres de luta! Muitas mulheres que dedicaram suas vidas à construção desses trilhos. Ser ferroviária é uma honra muito grande”

Tatiana Calmon em depoimento à série do Museu Ferroviário

As ferroviárias

A historiadora Lidia Maria Vianna Possas, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), se dedicou durante anos a uma pesquisa que buscava conhecer a trajetória das primeiras trabalhadoras da Noroeste no livro “Mulheres, Trens e Trilhos”, publicado em 2001.

Ferroviárias: quem são as mulheres que trabalharam nas estradas de ferro em Bauru
Livro “Mulheres, trens e trilhos”, de Lidia Maria Vianna Possas (Foto: Reprodução)

Os estudos da historiadora dão conta do período entre 1918 e 1945. Assim, encontrou nos registros da Noroeste 250 mulheres ligadas à empresa. “Isso em meio a 14 mil prontuários de funcionários da estrada de ferro vasculhados por Lidia. Entre essas duas centenas e meia de ferroviárias, as mais instruídas, geralmente oriundas da classe média, tornaram-se telefonistas, datilógrafas ou faziam toda sorte de serviços burocráticos. As mais humildes se dedicavam aos serviços de cozinha, lavanderia, faxina e atendimento público”, afirma o artigo da Fapesp.

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