Hoje eu acordei inspirado! Inspirado a compor o maior concerto já criado; a esculpir algo mais grandioso que Davi de Michelangelo; a escrever os mais lindos sonetos já escritos; a pintar o tela mais valiosa de todos os tempos!

Mas, ao terminar de tomar café, essa inspiração se foi! Me deparei com um vazio tão grande em minha alma, que nem mesmo a brisa gelada do inverno trouxe o impulso instintivo de seguir em frente.

Andei pela casa e não encontrei nem uma gotinha daquela inspiração… a procurei em baixo dos sofás, dentro dos bolsos das calças e das blusas, nos espaços entre as teclas do teclado do meu computador… nenhum sinal de criatividade.

Sentei na cadeira da cozinha frustrado. Como entre os goles do meu café, as ideias se pulverizaram? Não compreendo como ela foi se embora tão rapidamente, me deixando de mãos vazias sem ao menos deixar um bilhetinho dizendo aonde iria, ou mesmo desejando boa sorte. Que inspiração mal criada! Fiquei tão perturbado, que decidi lavar a louça.

Enquanto dava um jeito na pia suja e sentia minhas mãos serem mutiladas pela água indescritivelmente congelante, me retraí… pensei comigo mesmo: “Se bem… quem se interessaria pelo maior concerto já composto? Hoje em dia o que se ouve e faz sucesso são hit’s sem qualidade…” Continuei a lavar a louça.

Me contive novamente: “E quem daria valor a uma escultura mais impressionante que Davi de Michelangelo? Apenas me desejariam os parabéns…” Comecei a secar a louça.

Finalizada em 1504, a escultura tem mais de 5 metros de altura e está localizada na Academia de Belas Artes, em Florença. (Foto: vouparaitalia.com)

Uma terceira vez eu hesitei: “Quem leria os sonetos que eu escreveria, mesmo sendo os mais lindos já escritos? Ninguém mais lê poesia… Ou se lê, precisaria ter um cenário político por trás ou um uma ideologia contemporânea como pano de fundo!” Fui guardar a louça seca.

Pausei minha tarefa uma última vez: “Por que pintar a tela mais valiosa, se um urinol assinado, hoje em dia, é considerado arte? Quem se interessaria?” Terminei de guardar a louça. Com tudo pronto, me recostei no sofá e fiquei a encarar a estante da sala.

Ali, repousava um pequeno rádio. Fui até ele e sem saber qual álbum estava pronto para ser executado, apertei o play: Johann Sebastian Bach começou a tocar levemente, espalhando sua melodia pela casa… aquilo me excitou os ouvidos, e sendo levado pelas notas, fui até meu quarto. Lá, na cabeceira da cama, uma réplica de Bernini se apresentava. A réplica era d’O Rapto de Proserpina… como não se enobrecer…

Vou à minha biblioteca e aleatoriamente pego um livro de sonetos: Camões! Quer algo mais poético e tecnicamente perfeito? Não há! Me viro então para sair do quarto, quando vejo atrás da porta um pôster… Monalisa!

Amor é fogo que arde sem se ver” é, sem dúvidas, um dos poemas mais conhecidos de Camões e um dos mais lindos da língua portuguesa!

Volto para sala, e sentando no sofá entendo… não se trata de quem ouvirá, ou apreciará, ou lerá, nem mesmo de quem admirará aquilo que se produzir! Isso é o menos importante. Arte trata-se de viver e dar sentido à vida. Ser artista é um modo de se passar pela História, deixando que as suas pinceladas, os seus versos, as suas ações falem por você… Viver a maior parte do tempo no anonimato faz parte, mas o primeiro degrau de uma escada é sempre o mais rebaixado!


Francisco Marchiori Mota, natural de Jundiaí, é professor de Educação Física e escritor. Com 2 livros de poesia publicados, é apaixonado por escrever e contar histórias do cotidiano, sempre regadas de sentimento e emoção. Espera, um dia, poder fazer a diferença na literatura jundiaiense, bem como na brasileira.


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