De todos os alunos do segundo ano colegial, no Caló, na minha sala de aula em 1977, o mais introspectivo, fechado e cara de mau, era o Francesco Querino.

Morava com uma tia doente e, apesar da menoridade, trabalhava como descarregador de vagões (saqueiro), num barracão da Fepasa, entre as Indústrias Migliari.

Com seu trabalho conseguia cobrir as despesas da sua casa, estudar e cuidar de uma tia acamada… Era um guerreiro – exemplo para todos!

A condição muscular adquirida no descarregamento de trens o confundia com um fisiculturista!

Pelos fortes traços de descendência italiana e a dificuldade que tínhamos em pronunciar seu nome o apelidamos “Stallone”… Sua semelhança com o personagem de “Rock, um Lutador” – filme lançado no ano anterior – era absurda!

Surpreendentemente Stallone era um aluno de boas notas e aplicado, porém, era uma “ilha” no ambiente estudantil. Sentava na última carteira, sempre isolado no canto da sala, viajava em seus olhares solitários e distantes, e olha que as “mina pirava” por causa do cara.

Numa aula de História, Professor Mávilo nos separou em duplas, acabei formando par com o Stallone, para nossa dupla caiu um trabalho de pesquisa sobre o então Papa Paulo VI. Naquele tempo não tinha essa molezinha de Google ou outro site de pesquisa, muito menos a Barsa – que não podíamos comprar. Pensei comigo:

“E agora? Tô lascado, o sujeito nem conversa!

Puro engano… De cara disse que sua tia tinha um livro religioso com a biografia de Paulo VI e me convidou pra fazer o trabalho em sua casa.

Trocamos várias ideias, o cara tinha um “papo cabeça”… Falamos de futebol, política, educação, música e dos compositores filosóficos nordestinos que faziam estrondoso sucesso na MPB: Belchior, Zé Geraldo, Ednardo, Alceu, Moraes Moreira, etc..

Quando falei do tamanho da minha família e lhe perguntei da sua, aquele sujeito, escondido atrás de um monte de músculos desintegrou-se, tamanha emoção:

“Tenho inveja de você, Marreco, que tem pai, mãe e 15 irmãos… Eu só tenho minha tia Margô. Ela quem cuidou de mim, desde criança… Agora eu tenho que cuidar dela, ela precisa de mim.”

Apontando para a parede, em soluços, mirou numa fotografia em preto e branco e afirmou:

Aquela é minha mãe… Quando eu tinha 10 anos ela foi embora… Ao me deixar na casa da tia Margô pediu para que ficasse comigo… Disse que um raquítico e fracote feito eu só iria atrapalhar sua vida! Se Deus quiser um dia ela voltará… Por isso tenho que me manter forte – quando mamãe voltar espero que ela possa gostar de mim!


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1 COMENTÁRIO

  1. Li sua história com muita emoção. Parabéns pela sua escritura! Histórias assim nos fazem recordar momentos de nossa vida acadêmica e dos sacrifícios que muitos de nossos companheiros de jornada escolar passaram e, que muitos nem desconfiavam. Enfim, Parabéns!

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