Neste sábado, 24 de agosto, é dia de festa no clã dos Acerra. Há exatos 87 anos, na vizinha cidade de São Manuel, nascia Valter Acerra, que anos mais tarde viria a se transformar no rei do ferro velho em Botucatu.

Filho de Francisco Acerra, conhecido como Chico Patana e dona Olímpia Calegari, o pequeno Valter não gostava de estudar. Vivia fugindo da escola. Fez até o quarto ano do grupo. Por isso começou a trabalhar cedo. Seguiu a profissão dos pais e de uma de suas irmãs, Ester, atuando como alfaiate costureiro. “Minha mãe era da alta costura. Costurava para a família Barros, do ex-governador Adhemar de Barros”, relembra. 

Lembra das dificuldades enfrentadas no período da 2ª Guerra Mundial quando a maioria das família sofria com racionamento de alimentos. “Não tinha nada para comer. Só milho e fubá. Era polenta, polenta e mais polenta”.

Mas também traz na memória momentos felizes da mocidade, como os bailes e carnavais regados a muito lança-perfume no Clube Recreativo. Casou-se com dona Celina Savio, filha do senhor José Savio, dono de um ferro velho em São Manuel. Com ela teve quatro filhos: Valter José, Maria Elisabeth, Silvana (falecida aos 48 anos) e Renato. “Minha mãe confeccionou o vestido de noiva de minha falecida esposa e eu mesmo confeccionei o terno que usei no meu casamento”, fala com orgulho.

Valter Acerra e um talento escondido: copiar desenhos e ilustrações
Foto: Carlos Pessoa

EM BOTUCATU, MUDANÇA DE VIDA

Valter acompanhava o sogro em todas as viagens que fazia. Muitas vezes vinham a Botucatu para a entrega de ferro fundido para a empresa Petrac. Esse material era pesado no Curtume Pioneiro, de Otorino Pescatori, em uma das poucas balanças que existia à época na cidade. A outra ficava no Curtume Paulista.

Em uma dessas vindas, em 1958, o dono do curtume disse que ali na vizinhança, havia muito espaço para montagem de um ferro velho. Oito dias depois, Valter, a esposa e o filho Valter José já haviam deixado São Manuel e se mudado para uma casinha simples no número 328 da Avenida Paula Vieira. Tinha 26 anos e resolveu arriscar uma nova vida.

“Foi um começo muito difícil. Eu era alfaiate e minha ferramenta era uma agulha. Não entendia nada de ferro velho. Você acha que eu sabia o que era antimônio? Mas com o tempo fui aprendendo e graças a Deus venci”.

A primeira condução usada no trabalho foi uma bicicleta. “Uma magrela que o burro monta em cima”, costuma brincar. Pedalava até as proximidades de onde hoje está o Zé do Queijo, depois a empurrava até a região do cemitério Portal das Cruzes. O destino: o barranco em que Benedito Zaponi puxava o lixo da cidade, nas proximidades de onde hoje está instalado o Shopping Botucatu.  

“Carregava um saco e meio de alumínio, amarrava na garupa da bicicleta e vinha feliz. Era o que eu catava para vender”, afirma Valter.  Hoje, sua empresa compra cerca de 5 toneladas de material por semana.

Valter Acerra: vida de sucesso a partir do ferro velho
Foto: Carlos Pessoa

AS PRIMEIRAS CONQUISTAS

No começo de tudo, o homem que atravessava a cidade para garimpar alumínio em meio ao lixo era considerado por muitos meio maluco. Era o único a mexer com aquilo na cidade. Mas aos poucos a freguesia foi se formando e as pessoas passaram a chamá-lo para retirar ferro velho acumulado nos quintais.   

A magrela foi substituída pela carroça. E seis anos depois de iniciado o negócio, adquiriu seu primeiro veículo motorizado: um caminhão pé de bode, comprado em São Manuel, sem porta, sem limpador de para-brisas, sem vidro no espelho, mas que lhe permitia carregar até dois mil quilos de material. Aí a vida começou a deslanchar. Hoje sua empresa conta com uma frota de sete caminhões, inclusive um recém-adquirido Mercedes Benz 1319 (Romeu e Julieta).

Em 1962 perdeu praticamente tudo durante uma enchente. A esposa estava grávida. “Perdi tudo. Fiquei apenas com uma lambreta de trabalho que só não foi embora porque ficou enroscada em um guarda-roupa”.

Com a esposa grávida, ficou por um tempo em São Manuel. Nesse período, Valter diariamente ia trabalhar em Botucatu e depois voltava, sempre com o pé de bode. Um cachorro chamado Nero pulava em cima das malas e o acompanha nas viagens. Ao todo conta oito mudanças de endereço.

O negócio prosperou de vez nos 20 anos em que trabalhou como terceirizado na Indústria Caio, onde estima ter desmanchado em torno de 700 ônibus velhos. Orgulha-se de ter empregado muita gente. A boa memória o faz recordar de uma senhora viúva que certa vez pediu para que desse emprego ao filho, sem compromisso de pagamento de salário. Queria apenas afastar o garoto das más companhias.

“Esse moço foi um dos melhores funcionários que tive em toda a minha vida de trabalho. Chamava Antonio Mariano. Faleceu moço, morava aqui na Rua Expedicionário Almiro Bernardes. No sábado e domingo eu não ficava em Botucatu e deixava o ferro velho nas mãos dele. Foi um grande funcionário”.

PROSPERIDADE E REALIZAÇÃO

Garante que nunca se sentiu diminuído ou alvo de preconceito por ganhar a vida com ferro velho. “Encaro meu trabalho como um bem para as pessoas, para a cidade e para mim, que ganho com isso. Eu limpei muito quintal. Nunca ninguém me falou nada de ruim. Sempre me elogiaram. Fiz muitos amigos. Não tenho um inimigo em Botucatu”.

Sente orgulho em ser cidadão botucatuense, título outorgado pela Câmara Municipal, num projeto de autoria do vereador Cula. “Foi a primeira vez que fiz um discurso em minha vida. Depois convidei todo mundo para um jantar na Quintal Churrascaria (atual Tabajara). Reuni umas cento e dez pessoas. Minha esposa recebeu flores. Foi muito bonito”.

Valter diz que se tivesse ficado com todo o ferro velho que comprou ao longo da vida teria uma quantidade de relíquias maior que qualquer museu da região. Ainda assim, basta caminhar pelos barracões e salas na sede de sua empresa para se deparar com uma infinidade de objetos antigos, que vão desde granadas e capacetes da Revolução de 1932, passando por garrafas de cerveja produzidas pelas indústrias Bacchi até uma torneira cravejada de esmeraldas dos tempos dos barões do café.

Acerra e uma garrafa de cerveja antiga, das indústrias Bacchi
Foto: Carlos Pessoa

Nesse ano, sua empresa completa 61 anos, sem nunca ter saído da região da Paula Vieira. Valter já não comanda mais os negócios. Passou o bastão ao filho Valtinho, que o acompanha desde pequeno. Mas está lá praticamente todos os dias. “Trabalhei muito. Hoje só venho aqui a passeio. Chego aos 87 anos realizado. E muito feliz. Na verdade, felicíssimo”, afirma.  


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