Como ele mesmo costuma brincar, tem cara de baiano, mas é botucatuense. Nasceu em 14 de novembro de 1951. Filho de Ana Rita Vieira e de Alberto Matheus Vieira, músico que fazia maravilhas com o violão. Batizado Luiz Antonio Matheus Vieira, ainda garoto ganhou o apelido carinhoso que o acompanharia por toda a vida: Bolinha.
De família humilde, viveu uma infância feliz nos altos da Boa Vista, correndo atrás de bola até por volta dos seis anos. No início da década de 1960, levado pelo pai, assistia admirado e com o coração aos pulos aos desfiles de bandas e fanfarras que aconteciam na Rua Amando de Barros. “Eu ficava louco com aquilo. Foi quando percebi que tinha algo que sempre me puxava para a música”, relembra.
Durante o curso primário na Escola Martinho Nogueira, encontrou um parceiro que o acompanharia vida afora: Jaime Doracioto Francisco, o Tatinha, com quem na juventude chegou a formar dupla, tocando na noite, em festas e reuniões de amigos. “Tinha quinze anos. Tocávamos MPB. Eu na timba, ele no violão”.
Fez o ginasial no Senac onde chegou a montar uma fanfarra. Mas seu grande sonho estava do outro lado da rua. “Mais do que qualquer coisa eu queria entrar para a banda do La Salle”. O ingresso no curso de contador oferecido pelo colégio, no início dos anos 1970, foi a senha para transformar o sonho em realidade. Mas se engana quem acha que foi fácil.
“Para ingressar na banda tinha que passar por um teste teórico e prático. Fui reprovado no primeiro. Não desgrudei das apostilas. Estudei muito. Pouco mais de um mês depois voltei, fiz outro teste e desta vez fui aprovado”.
Nessa época também se dedicou a outras duas paixões: o rádio e o carnaval. Na Rádio Emissora de Botucatu (PRF-8), apresentou e produziu programas que marcaram época como “Vozes do Brasil”, “Balanço Modulado” e “Comando Jovem”. Ao mesmo tempo em que se revelou um grande divulgador e historiador do carnaval de Botucatu, atuando entre os anos 1970 e 1990.
Foi diretor e mestre de bateria das escolas de samba da Associação Atlética Botucatuense (AAB) e mestre de bateria da escola de samba Mocidade Alegre do Lavapés, além de incentivador do bloco Cata Loco, do Rio Bonito. O apurado conhecimento musical o levou a ser jurado de desfiles carnavalescos em Botucatu e São Manuel.
Apesar da inegável paixão pela música, sempre teve plena consciência de que seria difícil ganhar a vida e constituir uma família dependendo apenas dela. Por isso, desde cedo, procurou conciliá-la com o estudo e suas atividades profissionais. Formou-se em Ciências Contábeis e Administração, em Marília. Atuou por seis anos no ramo cinematográfico, passou pelo Banespa e emprestou 30 anos de sua vida à Sabesp, onde veio a se aposentar.
A esposa Maria de Lourdes Pereira Matheus Vieira, companheira de jornada há três décadas, deu-lhe duas pedras preciosas: os filhos Cássio e Thaís. “Sempre fui apoiado por eles. Tenho uma família abençoada”.
Banda La Salle: enfim, sonho alcançado
Construiu um currículo de respeito atuando na formação de bandas marciais e fanfarras nas cidades de Barra Bonita, Botucatu, Pardinho, Pratânia e São Manuel. Mas marcou época e reuniu uma legião de fãs, admiradores e amigos como coordenador da Banda Marcial La Salle de Botucatu por 32 anos.
Lá começou tocando caixa. Participou de desfiles memoráveis, sob a regência do maestro Oscar Kuhn, capitão reformado da Polícia Militar que atendeu convite dos irmãos lassalistas para seguir sua carreira musical em Botucatu. Assim foi até 1978, quando a banda deu uma pausa em suas atividades.
Em 1982, ao assumir a direção do colégio em Botucatu, Irmão Otto, junto com a Associação de Pais e Mestres (APM), decidiu que era o momento da banda voltar a desfilar. A liderança e a devoção demonstradas por Bolinha no período em que integrou o grupo o levaram a ser indicado para assumir a coordenação. Ele lembra com emoção desse momento especial que marcaria sua vida para sempre.
“Foram me procurar na Sabesp. Falei para o irmão que achava que ele estava falando com o Bolinha errado. Talvez estivesse procurando o meu grande amigo Milton Mauro Caricati Devidé, que também havia tocado na banda por muito tempo e vivia seu auge por ter conduzido o time de futebol de salão do BTC a grandes conquistas. O irmão foi procurá-lo na Hidroplas, onde trabalhava e ele disse que a pessoa indicada para assumir o comando da banda era mesmo eu”, relembra com os olhos marejados.
E lá se foram três décadas conduzindo a Banda Marcial La Salle de Botucatu, onde formou gerações de músicos e cidadãos. “Tudo que aprendi devo ao maestro Oscar Kuhn e ao professor Vitalino Del Pai. Foi um período muito feliz em minha vida. Carreguei aquilo nas costas e fiz grandes amigos. Tem gente que era pequenininho e hoje está moço, formado. Médico, engenheiro, policial. Pessoas com quem mantenho contato até hoje. Até passaram a me chamar de maestro”, brinca.
O baque
A grande decepção viria em 2014 com o anúncio do fim das atividades da banda. Um período dolorido, que segundo Bolinha, teve reflexos inclusive na sua saúde. Hoje ele convive com algumas dificuldades impostas pelo Mal de Parkinson, mas segue tocando a vida em frente com leveza e bom humor.
Não houve muito tempo para lamentar o silêncio triste das caixas e surdos guardados em uma sala qualquer. Usando os mesmos instrumentos cedidos pelo colégio La Salle, a banda renasceu em 2015, agora sob as cores da AFRAPE – Associação Fraternal Pelicano. “Foi quando o Jair Svicero e o professor Samuel Ramos resolveram fazer esse resgate. Eles têm feito um grande trabalho na AFRAPE. A banda tem crescido. Hoje estamos com quase noventa integrantes”.
Renovado, Bolinha ainda encontra tempo para reunir os ex-integrantes da Banda do La Salle para ensaios rotineiros e dar aula em uma escolinha que funciona no colégio. Ao olhar para trás, fala que teve uma vida simples, mas que se sente realizado por ter corrido atrás daquilo que sonhava. “Graças a Deus alcancei meus sonhos. Não posso reclamar, senão Deus me castiga”.
Um pouco dessa singela e bela história de sonhos e conquistas, Bolinha guarda como um tesouro em uma caixa de papelão. São documentos, anotações, recortes de jornais e fotografias que eternizam momentos marcantes de sua vida.
Ao final do bate papo, questionado sobre a música que seria o tema de sua trajetória, crava “Retalhos de Cetim”, consagrada na voz de Benito de Paula. “Linda demais”, sentencia.
“Minha escola estava tão bonita
Era tudo o que eu queria ver
Em retalhos de cetim
Eu dormi o ano inteiro
E ela jurou desfilar pra mim
Mas chegou o carnaval
E ela não desfilou
Eu chorei…”
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