O médico mineiro Vital Brazil é considerado um dos grandes nomes na história da ciência. Entre seus inúmeros feitos, reconhecidos mundo afora, o mais popular foi a descoberta do soro-antiofídico.

Para orgulho dos botucatuenses, é correto afirmar que foi aqui na cidade, onde viveu por um breve período, que ele iniciou as pesquisas que resultaram na criação do antídoto para as picadas de cobras, até então praticamente letais.

Mas o que se sabe da passagem de uma figura tão importante pela cidade dos bons ares? Fomos pesquisar esse momento especial da história de Botucatu.

A vinda para Botucatu

A oportunidade surgiu no final de 1895. Amigos presbiterianos que moravam em Botucatu – entre eles, José Arnaud Paulino Pires, Miguel Alvarenga e o Reverendo Carvalho Braga – fizeram o convite para que o jovem médico de 26 anos aqui montasse uma clínica.

Vital Brazil
Casal José Arnaud e a esposa Adelaide incentivou a vinda de Vital Brazil a Botucatu. Foto: Reprodução “Vital Brazil e as serpentes de Botucatu – Editora Anthemus

A cidade, chamada “boca do sertão” e ponto final dos trilhos da Sorocabana e Ituana, havia se transformado em importante centro para quem sonhava em melhorar de vida. Foi convencido. Em data imprecisa, a antiga estação da Sorocabana testemunhou a chegada do trem que trazia Vital Brazil, a esposa Maria da Conceição (Nhazinha) e a filha pequena.

Ângelo Albertini Amaral, no livro “Foi Urutu Doutor… e lorotas que não aconteceram”, afirma que coube a Tião Preto o privilégio de ser o condutor do trole que levou o médico e sua família até o Hotel Brasil, de Maria Antonia do Espírito Santo, defronte ao Largo de Santa Cruz (atual Praça do Bosque). Ali passaram a primeira noite na nova cidade.  

Popularidade e clientela

Em 22 de dezembro de 1895, o jornal O Botucatuense já estampava anúncio dos serviços prestados por Vital Brazil: “Médico operador e parteiro. Especialidade – operações, moléstias de creanças e senhoras. Residência Rua Cesário Alvim, esquina do Largo da Matriz Velha”.

Vital Brazil
Anúncio estampado no jornal O Botucatuense informa a chegada de novo médico à cidade. Foto: Reprodução: Memórias de Botucatu

Formou dupla com o Dr. Costa Leite, médico baiano pioneiro. Ambos atendiam a vasta região, totalmente desprovida de recursos médicos. Trabalharam juntos pela construção da Misericórdia Botucatuense. Foi secretário da instituição, tendo redigido diversas atas.

O endereço que marcaria sua presença por aqui foi a casa onde residiu na Rua do Riachuelo (atual Amando de Barros), esquina com Major Leônidas Cardoso, ao lado da Escola Botucatuense. Logo fez clientela. Sua fama, a facilidade em fazer amigos, os discursos animados em festas de aniversário, o gosto pela música nos acordes da clarineta, o tornaram popular, respeitado e querido.

Vital Brazil
Casa onde residiu Vital Brazil ficava ao lado da Escola Botucatuense, na atual Rua Amando de Barros. Foto: Acervo Museu Histórico E pedagógico Francisco Blasi

Para que também atendesse nas grandes fazendas de café, deram-lhe trole, troleiro, escala de linhas ou direções dos locais que deveriam ser atendidos. O troleiro foi Sebastião Pinto Conceição, que se orgulhava dos dias vividos acompanhando Vital Brazil.

No campo, presenciou vários acidentes causados por serpentes venenosas. No entanto, foi ao testemunhar a morte de uma garota por causa do efeito do veneno expelido na picada de uma cobra que o cientista decidiu dedicar-se de forma definitiva a encontrar uma solução para este problema que ceifava tantas vidas.

O interesse pelas cobras

O ano de 1896 foi especial para Vital Brazil. No dia 31 de maio nasceu Alvarina, sua única filha botucatuense. Nessa época, o médico decidiu avançar nas pesquisas comprando cobras para estudar seus hábitos e veneno. Hernani Donato, no livro “Vital Brazil”, fala como isso começou.

Vital Brazil
Vital Brazil, a esposa e as duas filhas menores, em foto tirada em Botucatu, no ano de 1896. Foto: Museu Vital Brazil

 

“E qual não foi a surpresa, depois o susto e por fim o medo daquela gente boa e simples quando o médico começou a oferecer a todos os caboclos, em suas visitas às fazendas, oitenta mil réis (na época uma quantia bem elevada) por cobra venenosa que lhe trouxessem viva.”  

Demorou um mês até que um roceiro aparecesse com a primeira jararaca dentro de uma caixa. Depois disso formaram-se pilhas no viveiro improvisado em um quartinho no quintal de sua residência. Antonio Pinto Nunes, farmacêutico na Capela do Divino Espírito Santo do Rio Pardo, era um dos fornecedores de cobras para seus estudos.

Vital Brazil
Para desespero do povo, Vital Brazil comprava cobras e as
guardava em um quartinho no quintal de sua casa. Foto: Reprodução

A grita foi geral. Vizinhos, pais de alunos da escola e o povo passaram a reclamar do amontoado de serpentes e passaram a cortar volta da casa do médico. A insatisfação fez Vital Brazil transferir os “bichinhos” para o porão da antiga Farmácia Pires.

“Tive de vencer um grande temor para tomar uma cobra nas mãos e trabalhar com ela viva e sem lhe fazer mal nenhum. Mas venci o medo porque estou à procura do que pode haver de mais importante para a minha carreira e também para a vida dos que trabalham a terra: a cura certa contra as mordeduras de cobra.”

Hora de partir

E coube às cobras de Botucatu mudar definitivamente o rumo de sua vida. A cidade praticamente perdeu o médico, mas ganhou um cientista. Crítico ferrenho das crendices e simpatias usadas para curar picadas de serpentes, as pesquisas o faziam acreditar cada vez mais que a salvação estaria no próprio veneno do animal.

Em 1896, conhecendo os trabalhos de Calmette sobre a cobra naja, da Índia, Vital verificou que o soro do estudioso francês era ineficaz para o veneno das cobras brasileiras. Decidiu partir para a descoberta de um soro especifico. Que salvasse os picados pelas cascavéis, urutus, jararacas, coatiaras, e outras que viviam nos campos, matas e lavouras.

Em 1897, vislumbrando a real possibilidade de ter encontrado o caminho que buscava, Vital resolve abandonar a clínica e voltar à capital do estado, para dar prosseguimento às suas pesquisas com imunologia e a soroterapia. Era hora de deixar a pequena e longínqua Botucatu.

Foi trabalhar no Instituto Bacteriológico de São Paulo (hoje Instituto Adolfo Lutz), onde em 1898 teve comprovado o êxito do primeiro soro contra veneno de serpentes.

Reconhecimento

Em 1949, por iniciativa do Vereador Antonio Delmanto, a antiga Rua São Carlos na Vila São Lúcio passou a ser denominada Avenida Vital Brasil. A lei, sancionada pelo prefeito Renato de Oliveira Barros, também autorizava o município a fixar uma placa na casa que, por vários anos, acolheu o famoso médico/cientista.

Vital Brazil
Cópia da lei que transformou a antiga Rua São Carlos, na Vila São Lúcio, em Avenida Vital Brazil

O prédio não existe mais. No local surgiram imóveis comerciais, entre eles o Bar Pirâmide, onde um banner relembra que por quase dois anos ali morou um dos brasileiros mais importantes do século passado.

Vital Brazil
Banner na parede do Bar Pirâmide relembra que Vital Brazil morou no local. Foto: Arquivo Solutudo

Em 1953, o prefeito Emilio Peduti sancionou a lei 357 que autorizava o município a instalar um museu na casa onde residiu Vital Brazil. Porém, a iniciativa nunca saiu do papel.

De iniciativa do vereador Laurindo Izidoro Jaqueta, em 1964, a Câmara Municipal aprovou projeto transformado em lei que institui o dia 28 de abril (data de nascimento do médico) como sendo o Dia de Vital Brazil no município. E previa para 1965 a comemoração da Semana Vital Brazil para marcar o centenário de seu nascimento.

Vital Brazil
Na esquina da Rua Amando com Major Leonidas Cardoso, uma placa indica onde morou Vital Brazil. Foto: Carlos Pessoa

O evento foi mesmo realizado. Na tarde do dia 1º de maio, aconteceu a cerimônia de inauguração na Avenida Vital Brazil da esfinge do cientista acompanhada de placa comemorativa, com a presença de filhos, netos e outros familiares do homenageado. Porém, anos depois, o monumento desapareceu.  

Vital Brazil
Vital Brazil dá nome a um dos endereços mais valorizados de Botucatu. Foto: Carlos Pessoa

Em 2005, o vereador Antonio Luiz Caldas Júnior teve transformado em lei projeto de sua autoria fixando a última semana do mês de abril de cada ano para comemoração da Semana Vital Brazil em Botucatu.   


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4 COMENTÁRIOS

  1. Gostei muito,excelente matéria para incentivar os estudantes de medicina de Botucatu.
    Ajudar o próximo sempre traz benefícios,reconhecimento nem sempre é visto mas fica marcado na história da vida.

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