A Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, mais conhecida como Unesp, tem em Bauru seu maior campus. E é um dos orgulhos da nossa cidade! Com a Faculdade de Engenharia (FEB), a Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design (FAAC) e a Faculdade de Ciências (FC), possui, segundo a Administração Geral, 416 docentes e 496 servidores, além de atender diariamente mais de sete mil alunos.

Com esse tanto de pessoas envolvidas nas atividades da Unesp, há incontáveis vozes, histórias, sonhos e realizações neste espaço educacional. Pensando nisso, a Solutudo Bauru resolveu contar a história de Juarez Tadeu de Paula Xavier, que é jornalista, professor, vice-diretor da FAAC, mestre e doutor pela Universidade de São Paulo (USP) e militante do movimento negro. Em Bauru há dez anos, escolheu a cidade para viver e a Unesp para trabalhar e se dedicar.

Origens e relação com a escola

Juarez nasceu na Zona Norte de São Paulo, na Vila Mazzei. “O bairro agora está bem desenvolvido. Mas, na época, era quase a periferia da periferia”, conta.

Sua mãe, Dona Regina, veio de uma cidade do sul de Minas, chamada Piumhi, onde trabalhava na roça. Quando foi para São Paulo, passou a atuar como operária têxtil e, depois, como empregada doméstica. “Meu pai era caminhoneiro. Ele viveu um período muito duro na vida dele porque foi preso, ficou encarcerado ao longo dos anos 1960 e foi assassinado em 1970”, narra Juarez.

Por isso, lembra: “O que os dois legaram, que eu acho importante, é uma história de luta para que a gente pudesse enfrentar as adversidades e, a despeito delas, manter uma dignidade possível nas condições de pobreza que nós tínhamos”. E essas adversidades não foram poucas. A trajetória de Juarez Xavier é pautada pela superação.   

Começou a trabalhar com nove ou dez anos como engraxate. Sobre esse período, recorda-se com humor: “Foi um fracasso! Eu passava graxa na meia das pessoas”. Assim, foi nesta época que largou a escola. Trabalhou em uma quitanda e, depois, em uma banca de jornal. “Foi onde eu aprendi a ler jornalismo. Fiquei lá até os 16 anos”, narra o professor.

Dessa forma, ele conta que foi só com 17 anos, quando era operário em uma fábrica, que voltou a estudar. “Fiquei sete anos fora da escola para trabalhar. Era o que se esperava. Eu sou, da minha família, o primeiro que entrou em uma universidade. Na minha geração, foram os primeiros homens que tiveram carteira assinada, não vivam de ‘bico’, e as primeiras mulheres que não foram empregadas domésticas, que tentaram outras coisas. Nós somos uma geração que rompeu um pouco com o passado de segregação material”, diz.

Assim, começou a fazer supletivo e depois cursinho. De acordo com Juarez, foram períodos muito importantes. “Encontrei uma professora de História extraordinária, muito preocupada com a nossa formação. Me deu dicas importantíssimas! Foi a primeira vez que eu ouvi alguém falando que eu tinha que ir para a universidade. No supletivo do segundo grau, conheci o primeiro casal de professores negros. Foi essa professora a primeira a me falar sobre a necessidade da gente se preparar para enfrentar o racismo nestes ambientes que ela chamava de supremacia racial”, recorda-se.

Juarez Xavier, professor da Unesp Bauru
Foto: Reprodução/Facebook

Jornalismo e universidade

Na hora de prestar o vestibular, candidatou-se para os cursos de História, na USP, e de Jornalismo, na PUC. Passou nos dois e deu início a ambos, mas, quando precisou escolher, optou pelo jornalismo. A vontade de ser jornalista surgiu nos tempos em que trabalhava, ainda adolescente, na banca de jornais. “A revista que eu gostava não tinha encalhe, e eu pedia para as pessoas me darem para eu ler depois. Foi onde eu li, pela primeira vez, sobre direitos civis, sobre a questão racial, sobre a luta das mulheres nos Estados Unidos”, relata.

Para Juarez, sua formação em jornalismo e sua experiência na graduação foram ótimas. E sua escolha de curso também: “O jornalismo me deu ferramentas para fazer a leitura do mundo. E eu nunca perdi a paixão pelo jornalismo. Eu ainda acredito muito que é um instrumento fundamental para a mudança do mundo”, analisa.

Com isso, o professor também nos conta sobre sua primeira experiência dando aulas, em 2001, e de uma história curiosa envolvendo o editorial de um jornal laboratório que escreveu baseado em uma história que havia lido na publicação americana The New York Times. A história dizia que havia três pessoas trabalhando com pedras. Quando perguntadas o que estavam fazendo, a primeira pessoa respondeu que estava lapidando pedras; a segunda, respondeu que estava polindo pedras. E a terceira respondeu: “Estou construindo catedrais”. “E eu escrevi que o nosso objetivo era construir catedrais. É isso que é o jornalismo”, revela.

Juarez fala com muito carinho dos seus alunos, citando vários com os quais mantém contato e acompanha as carreiras com orgulho. “As pessoas acham que o meu trabalho tem ajudado. E não tem nada mais extraordinário do que isso. Não tem prêmio, não tem cargo, não tem titulação que se equipare a isso. E eu fico muito emocionado”, confessa.

Carreira acadêmica, começo na Unesp e chegada em Bauru

Juarez trabalhava com jornalismo e militava politicamente na questão racial. Dessa forma, dez anos depois de se formar, surgiu a vontade de ingressar na carreira acadêmica, e um ponto muito importante foi seu desejo de estudar a luta contra o racismo. “A PUC lapidou em mim essa questão racial. Desde criança, eu tinha muita dificuldade de entender… o incômodo, as piadas. Saí da escola acho que muito em função disso também”, observa.

Na universidade, Juarez conta que ouviu que, enquanto não houvesse intelectuais negros, ou, como ele gosta de chamar, ativistas acadêmicos, não haveria a compreensão sobre esse processo da luta contra o racismo. “Eu era da Executiva Nacional das Entidades Negras e, para estudar mais esse assunto, entrei no mestrado”, narra.

Assim, fez mestrado e doutorado na USP, atuou como professor em diversas instituições, casou-se e se tornou pai.

Depois de todas essas experiências, passou no concurso para professor de jornalismo na Unesp e se mudou para Bauru, onde vive desde 2011. Por aqui, já foi coordenador de curso, chefe de departamento, assessor da pró-reitoria de extensão e, agora, é vice-diretor da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design (FAAC).

“A Unesp significa muita coisa para mim. Uma das metas fundamentais da minha vida é o enfrentamento à brutalidade do racismo. Eu acho que a universidade tem um papel importante no debate político-social. Ainda mais a universidade pública, que é um espaço de reflexão e de debate, muitas vezes, democrático. E isso é a chama do jornalismo: debater questões fundamentais e estruturais para poder superar esse modelo patriarcal, segregacionista e racista. A partir da pesquisa e da produção, a universidade é muito importante”, considera Juarez.

Para ele, outra questão essencial da universidade é formar pessoas. Com isso, o professor cita Paulo Freire e uma ideia que carrega consigo: “Não estou na sala de aula para educar o aluno. Estou na sala de aula para ajudar pessoas que queiram mudar o mundo”.

Além disso, menciona dois aspectos: “Os projetos que a universidade permite e o meu compromisso com a universidade pública, democrática, gratuita, aberta, inclusiva, acolhedora, que não é para universidade em si, é para contribuir com a sociedade”.

Juarez Xavier, professor da Unesp Bauru
Juarez Xavier vive há dez anos em Bauru (Foto: Reprodução/Facebook)

Unesp e Bauru

Quando perguntado sobre o que a Unesp significa para Bauru, Juarez avalia que é possível olhar sob diversos prismas.

“Do ponto de vista econômico, a universidade tem um papel significativo na cidade. A Unesp traz para Bauru cerca de cinco mil pessoas. Tem um efeito grande no mercado varejista, no supermercado, no mercado de aluguel, no consumo de água, de energia elétrica, tem impacto no PIB. A Unesp faz parte da vida econômica e estrutural de Bauru – isso é fato!“, analisa o professor.

Ademais, ele destaca a presença de uma universidade de escala internacional em um território como Bauru por conta do “prestígio para a cidade, para os arranjos de produção científica, tecnológica, cultural e educacional”.

No entanto, diz que gosta de pensar não no que a Unesp contribuiu, mas em como que ela pode colaborar com Bauru. “Temos como objetivo ter uma aproximação mais efetiva com a cidade, promovendo a interação entre sociedade e universidade para que elas possam trocar conhecimento. A FAAC, por exemplo, tem condições, de fato, de contribuir com o desenvolvimento de Bauru“, projeta Juarez.

Sonhos e futuro

Perguntamos para Juarez se ele, que foi um garoto que largou a escola e se tornou, com muita luta, jornalista, mestre, doutor e professor de uma das principais universidades do Brasil, ainda tinha sonhos a realizar. E sua resposta foi:

“Meu sonho é nunca perder a possibilidade de sonhar. Nesses anos todos, eu encontrei pessoas sonhadoras. Professores, colegas, profissionais, familiares, alunos… Há uma coisa boa quando a gente vai envelhecendo que é perceber que a vida tem que ser saboreada de uma forma mais lenta para que a gente possa, de fato, compreender os processos todos. E eu consegui compreender que você não realiza sonhos. O sonho é como uma utopia, ele existe para você continuar caminhando e buscando. Por exemplo, eu não penso em parar de trabalhar nunca! Quero me aposentar e continuar dando aula. Isso é uma coisa legal para se manter vivo e sonhando permanentemente. Um projeto de um país melhor não se faz da noite para o dia, a superação do racismo também não. Mas se você perde a capacidade de sonhar, você perde a capacidade de modificar e transformar. E isso é o que eu acho que o jornalismo e a atividade docente me dão!”, finaliza.  

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